É muito comum as pessoas associarem que:
– Cervejas mais escuras possuem teor alcoólico mais elevado.
Isto é um mito.
Vamos falar de um ingrediente chave da cerveja: o malte.
Insumo mais utilizado na cerveja depois da água – na proporção de cerca de 150 gramas para cada litro de cerveja – o malte consiste basicamente, no grão do cereal germinado. Antes de chegar a cervejaria, p grão colhido no campo é submetido a um processo chamado maltagem – motivo pelo qual não há que se falar em “plantação de malte” – no qual o cereal é encharcado em água até que a germinação comece a acontecer.
Nesse ponto, ele desenvolve em seu interior as enzimas necessárias para modificar seus amidos em açucares, incluindo monossacáridos, tais como glucose ou frutose, e dissacáridos, tais como sacarose ou maltose. Também desenvolve outras enzimas, como as proteases, que quebram as proteínas do grão. O que quer dizer tudo isso? Trocando em miúdos, a maltagem fará com que esses açúcares provenientes do malte se transformem, durante a fermentação da cerveja, em álcool e gás carbônico.
Depois de germinados e secos, os grãos de cereal – agora, sim, já chamados de malte – vão para fornos, onde são torrados. É a partir das variações de temperaturas e intensidades de secagem e torrefação do malte que se produzem cervejas de colorações diferentes: maltes menos torrados produzem cervejas de coloração mais clara, perto da cor do próprio grão colhido no campo, com as pilsen. Já os maltes mais torrados dão origem a cervejas mais escuras, com as dos estilos dunkel, porter e stout, com percepções de café e chocolate advindas da tosta.
Assim, não há qualquer relação entre coloração da cerveja e sua potência alcoólica. Basta exemplificar que uma cerveja muito escura como a Guinness, do estilo dry stout, possui modestos 4.1% de álcool – menos que a maioria das pilsen – enquanto a cerveja belga DeuS brut des flandres, de coloração muito clara, quase palha, ostenta potentes 11,5% ABV. Há, sim, relação com a quantidade de malte inserida numa cerveja: em geral, quanto mais malte há numa cerveja, mais alcoólica ela é.
Na cerveja o principal cereal é a cevada, embora trigo e centeio também possam ser utilizados. Para fazer cervejas mais elaboradas, é comum o cervejeiro, incorporando um cozinheiro, acrescentar vários tipos de malte mais e menos tostados, de acordo com o estilo da cerveja e o seu toque pessoal. Graças à sua seleção de maltes, o cervejeiro pode conferir a cerveja pronta, percepções adocicadas de biscoito, de cereal, passando pelo caramelado e indo até os toques defumados (no caso das cervejas Rauchbier) e torrados, lembrando café e chocolate.
Há centenas de tipos de malte, desde os mais pálidos, passando pelos amarelados, dourados e âmbares e indo até os avermelhados, marrons e totalmente pretos. A escala mais utilizada para quantificar a coloração dos grãos e também da cerveja pronta é chamada de Standard Reference Method (SRM), que vai de 1 (pálido) a 20(preto).
Assim como as cervejarias, as maltarias também são lugares bem interessantes de se conhecer. Embora algumas cervejarias ainda possuam maltarias – também chamadas de “casas de malte” – dentro de suas próprias fábricas, o mais comum é que elas adquiram os maltes de empresas malteadoras externas. O grupo francês Malteurop é o maior do mundo no segmento, produzindo mais de 2,2 milhões de toneladas de malte por ano, com vinte e quatro fábricas em treze países da Europa, América do Norte, Oceania e Ásia. Em terras brasileiras, a Maltaria Agromalte, da Cooperativa Agrária Agroindustrial de Guarapuava, no Paraná, é a maior do país e a vigésima do mundo, produzindo anualmente 220 mil toneladas do insumo. A Agromalte ainda é representante da maltaria Weyermann, uma das mais tradicionais da Alemanha.
No Brasil, a legislação pertinente aos tipos de cervejas é simplista e obtusa, uma vez que ignora os estilos elencados nos grandes guias internacionais. Por aqui, de acordo com a lei, há somente três tipos de cervejas, a saber: cerveja “clara” (a que tiver cor correspondente a menos de 20EBC), “escura” (20EBC ou mais) ou “colorida” (a que apresenta coloração diferente das definidas no padrão EBC).
É importante saber, porém, que conceitos vagos com “clara” ou “escura”, não exprimem a qualidade de uma cerveja. Ao contrário, servem para, em alguns casos, desestimular o novo degustador declaradamente inimigo de cervejas menos ou mais alcoólicas ou de colorações diferentes daquela a que está habitualmente acostumado.
Não ter preconceito de cor em relação à cerveja é como na vida real em relação às pessoas.
Fonte: Livro Cervejas, Brejas e Birras – Autor Mauricio Beltramelli
Mauricio Beltramelli também é proprietário do Bar Brejas