As mulheres sempre tiveram um papel importante na história da cerveja. Temos referências disso em várias culturas.
Na Babilônia e na Suméria, por volta do ano 4.000 a.C., as mulheres cervejeiras (Sabtiem) tinham grande prestígio e eram consideradas pessoas especiais, com poderes quase divinos.
Produzir cerveja era uma atividade caseira, assim como fazer pão e cozinhar. Assim, enquanto os homens saíam para caçar, guerrear ou trabalhar, cabia às mulheres preparar as comidas e bebidas da família. Como os ingredientes do pão e da cerveja são os mesmos, era comum prepará-los simultaneamente.
Até o século XVI, na região norte da Alemanha, os utensílios para produção de cerveja faziam parte do enxoval das noivas.
No século XIX, na província de Mecklembourg, ainda era tradição que a recém-casada recitasse:
“Meu Deus, ajude a cerveja quando eu a produzir, ajude o pão quando eu o amassar”.
Em algumas culturas a cerveja era considerada mágica ou divina e, talvez por causa da maternidade, a mulher sempre esteve associada a essa capacidade de transformar cereais em alimentos:
Segundo uma lenda escandinava, o guerreiro morto em combate conseguiria a imortalidade se tivesse bebido cerveja feita pelas Valquírias.
Entre os vikings, era lei que somente as mulheres podiam produzir cerveja, e todo o equipamento usado para esse fim era propriedade exclusiva da cervejeira.
Na cultura inca, antes de serem oferecidas em sacrifício ao deus Sol, as virgens preparavam para o Imperador uma cerveja de milho, chamada chicha.
Catarina, mulher de Martinho Lutero, o pai da Reforma Protestante, era famosa cervejeira, tendo aprendido o processo de fabricação em um mosteiro.
Na Idade Média, uma boa cervejeira era tida em alta conta: o rei Alreck de Hordoland escolheu Geirheld para ser rainha não por aparência ou por seu dote, mas porque era famosa por seus dons cervejeiros.
Na Inglaterra, as boas esposas cervejeiras eram tão populares que muitas pessoas iam até suas casas para aproveitar a hospitalidade regada a vários copos da bebida.
Registros do século XII, de uma pequena cidade inglesa, mostram que somente 8% dos cervejeiros locais eram homens. Além disso, como era permitido vender o excedente de produção, as senhoras começaram a explorar suas habilidades como um negócio que se tornou um importante complemento financeiro para a família.
Para anunciar que a cerveja estava pronta, elas expunham na porta da casa uma haste com folhas verdes – um sinal aos interessados – , recriando assim as famosas tabernas cervejeiras introduzidas pelos romanos séculos antes naquele país. Essas mulheres eram chamadas de alewises.
Um documento de 1086, o Norman Domesday Book, registra a existência de 43 dessas tabernas na Inglaterra. No início do século XIV já havia uma para cada 12 habitantes.
Durante a colonização da América, as mulheres continuaram a fazer cerveja como um complemento alimentar importante. Ela acompanhava os pra tos de caça, geralmente muito salgados e defumados.
Como parte das cerimônias de núpcias, as amigas se reuniam para preparar uma cerveja especial – bride-ale – e a vendiam para arrecadar dinheiro para a noiva. Essa tradição ainda sobrevive em várias regiões americanas.
Em Aberdeen, na Escócia, uma lista de cervejeiros locais mostra que todos os 159 existentes eram mulheres. Na mesma época, eram 300 em Edimburgo. A atividade representava a independência financeira das mulheres em relação aos maridos, o que acabou provocando reações moralistas ao final do século XVI, com leis que restringiam essa prática.
O domínio feminino na produção cervejeira só diminui no final do século XVIII, quando o “negócio” da cerveja despertou a presença masculina e grandes empresas surgiram, iniciando-se a produção em grande escala.
Judith M. Bennett, professora de história da University Southern California, é autora do livro Ale, Beer and Brewsters in England, no qual aborda exclusivamente a ascensão e a queda da importância da mulher na indústria cervejeira entre os anos de 1300 a 1600. A autora constatou a coincidência entre a chegada das cervejas com lúpulo e a queda da importância das mulheres no processo de produção e comercialização da bebida. Esse paralelo é inevitável, considerando-se que a cerveja tradicional do Reino Unido, a Ale, não continha lúpulo.
A chegada das cervejas lupuladas, vindas da Alemanha, chamadas de Beer, trouxe consigo não só o ingrediente novo, mas novas técnicas de fabricação. Simultaneamente, ocorria um boom no mercado da bebida. Conlcui-se daí que a preponderância masculina passou a ocorrer em virtude da associação do homem às novas tecnologias ou à comercialização, uma vez que os conceitos vigentes à época não consideravam as mulheres aptas a absorver novas tecnologias e a habilidade comercial era considerada uma caracterítica masculina.
As mulheres só reassumiriam seu importante papel na cultura cervejeira durante a Primeira Grande Guerra, a fim de suprir os soldados nas frentes de batalha, e posteriormente, no final do século XX, como profissionais cervejeiras e como consumidoras exigentes.
Hoje a mulher tem especial destaque nos estudos de mercado das cervejarias. Atentos às mudanças de hábitos da sociedade, em especial à crescente participação feminina no consumo da bebida, os responsáveis pelas decisões de marketing têm proposto mudanças significativas nas campanhas e no perfil de novos produtos.
Ganha força a mensagem feminina, sutil e sofisticada, em detrimento da imagem “machista” e competitiva.
Fonte de referência: Larousse da Cerveja / Ronaldo Morado – Editora Lafonte Ltda, 2009